sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Outros Junhos virão / Porque é preciso tomar o poder Revolução por etapas ou revolução permanente? Democracia burguesa ou poder popular?


                                                por Mário Medina
Aparentemente os ânimos estão controlados. Alguns meses após os levantes de Junho as manifestações de rua seguem, mas agora muito menores do que antes. Foi como se o povo voltasse ao comum de sua vida. Foi como se a saída desse povo às ruas fosse apenas um ato isolado, um desses acontecimentos históricos inusitados que parecem acontecer sem propósito algum, como num acaso, e que é logo superado e cede lugar aos acontecimentos costumeiros, como se as coisas retornassem à sua normalidade depois de um distúrbio imprevisto.
O índice de popularidade de Dilma, antes drasticamente em queda, agora retoma o fôlego, dando a impressão de que as medidas tomadas por planalto e congresso nacional teriam alcançado o resultado aguardado pelas elites, a saber, diminuir os descontentamentos populares e levar as pessoas de volta às suas casas, numa falsa aparência de que as coisas no Brasil estariam se ajeitando.
A inserção de Dilma na TV pra defender descaradamente o leilão de Libras, afirmando com uma tremenda cara de pau que aquilo nao se tratava de privatização, e que os royalties do petróleo seriam os responsáveis por um grande subsídio para o desenvolvimento da saúde e da educacao, toda essa conversa fiada do governo, essa manobra eleitoreira, tem data marcada pra ir por água abaixo.
A palavra de ordem dos cartazes de Junho pediam saúde e educação no padrão FIFA, ou seja, estava claro o descontentamento das massas com o descaso nos serviços públicos, enquanto o governo cedia aos interesses da FIFA, aplicando vultosíssimas quantias de dinheiro público para erguer estádios com vocação a elefantes brancos, abdicando assim de qualquer seriedade no trato da coisa publica, abdicando da soberania nacional ao passar o projeto da lei geral da Copa, tomando defesa dos interesses da especulação e das empreiteiras, abrindo espaço para que milhares de pessoas pobres e carentes tenham suas casas tratoradas pelas desapropriações e reintegrações de posse.
Mas a Copa do mundo de 2014 nao passará em brancas nuvens. O descontentamento tende a ser ampliado com a aproximação dos jogos, porque o povo nao terá paciência de ver todo esse circo armado enquanto continua com pouquissima qualidade de vida, enquanto seu suado dinheiro rifado pelos extorsivos impostos é redirecionado para a farra da burguesia, com as bênçãos dos picaretas de plantão que parasitam no congresso nacional, com os politiqueiros que em toda eleição prometem cuidado e atenção aos mais necessitados para depois virar as costas pra esse mesmo povo sofrido e conchavar com banqueiros e multinacionais, latifundiários e empreiteiras que os financiam em suas campanhas, e por isso mesmo contam com seus serviços e submissão.
A situação é tão critica que não há outra saída senão as ações diretas, as manifestações de rua, as ocupações e motins. E o povo tem se dado conta disso. O povo tem se dado conta de que só é ouvido quando parte pra radicalização, quando bate de frente com o governo e assume o enfrentamento. As maquiagens do governo petista e dos politiqueiros locais tendem a ter curta duração, tendem a se despedaçar frente a dura realidade, a diluírem diante da materialidade dos fatos. Porque o povo percebe que os preços aumentam e o salário não, o povo percebe no caixa do mercado como seu poder de compra é reduzido, percebe nas filas dos hospitais o quanto a saúde está sucateada, percebe na escola do filho como o serviço oferecido está abaixo da demanda e deixa a desejar em qualidade, percebe na superlotação do transporte público o descaso do poder público por seu bem estar, em suma, percebe que é adulado em tempos de eleição e vilipendiado todo o resto de sua vida.
E é tarefa dos movimentos sociais e da esquerda dar organicidade a todo esse descontentamento, a dirigir as massas nessa árdua tarefa de por fim ao capital, porque nao existe vida digna nesse sistema.
O welfarestate nao chegou aqui, e nao é esse o caso. Mesmo nos países avançados do sistema o bem estar nao é garantia em tempos de crise. Na Europa o desemprego é galopante, o arrocho salarial é uma cruel realidade na vida dos trabalhadores e as medidas de austeridade seguem corroendo direitos conquistados outrora.
Se o Brasil despertava como uma potencia mundial, um líder local por seu tamanho e economia subtancialmente maior que o resto do continente sul-americano, cumprindo um papel sub-imperialista na região, nada disso garantiu o seu desenvolvimento. O ciclo é vicioso. Existe o imperialismo norte americano para nos regular, temos uma burguesia nacional frouxa frente aos desafios de avanço tecnológico e incremento da produção, nos fazendo amargar uma subindustrialização e uma economia majoritariamente dependente da exportação de commodities, o que só rende capital concentrado nas mãos de uma meia dúzia de mega-latifundiarios, que além do mais tem o controle do congresso nacional através da bancada ruralista.
Enquanto isso os pelegos e centristas cooptam e subornam a esquerda com cargos e benesses, num sórdido atrelamento ao poder institucional, como é possível notar com as altas cúpulas da CUT, do MST, entre outros sindicatos e movimentos de maior envergadura. A direção nao faz jus à base que tem, pelo contrário, renuncia a luta a ser travada. Sua razão de ser é a conciliação, pintando de democrático e popular um governo de frente popular submisso e calhorda.
Fato curioso é ver o PCdoB denegrir a imagem dos jovens do Black Bloc, dizendo se tratar de um movimento que tem de ser rechaçado em favor de um suposto estado democrático de direito. Ora, percebemos nessa argumentação esdrúxula dois desvios, um teórico e um de caráter. O primeiro é a ilusão de pensar que deve-se, num processo revolucionário, passar por uma primeira etapa democrática e antiimperialista, de desenvolvimento das forças capitalistas de produção nacional, para, aí sim, aguardar o momento mais oportuno de acirramento da luta de classes necessário para uma outra etapa de derrubada da burguesia e implantação do socialismo. Mas nao é o caso do PCdoB, apesar desse partido martelar a teoria exposta acima. O problema aqui é de caráter. Para além de uma comodidade política de aguardar o momento supostamente maduro para a revolução, esse partido, viciado e degenerado que é, opta deliberadamente pelo oportunismo e pelo cinismo, tratando os Black Blocs como inimigos de um governo que eles dizem ser democrático-popular. Ou seja, em troca de cargos no governo e estatais, todo um aparato que lhes garante uma fatia do poder, esse partido pinta o governo Dilma como o supra sumo da democracia popular, o que é uma aberração discursiva, e trata os Black Blocs como vândalos, bem ao gosto da mídia burguesa e das elites. Ora, quem são os inimigos aqui, os Black Blocs, jovens indignados de um sistema perverso e desumano, ou a burguesia nacional que esfola dia e noite o povo trabalhador?


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