por Mário Medina
Aparentemente os ânimos estão
controlados. Alguns meses após os levantes de Junho as manifestações
de rua seguem, mas agora muito menores do que antes. Foi como se o
povo voltasse ao comum de sua vida. Foi como se a saída desse povo
às ruas fosse apenas um ato isolado, um desses acontecimentos
históricos inusitados que parecem acontecer sem propósito algum,
como num acaso, e que é logo superado e cede lugar aos
acontecimentos costumeiros, como se as coisas retornassem à sua
normalidade depois de um distúrbio imprevisto.
O índice de popularidade de Dilma,
antes drasticamente em queda, agora retoma o fôlego, dando a
impressão de que as medidas tomadas por planalto e congresso
nacional teriam alcançado o resultado aguardado pelas elites, a
saber, diminuir os descontentamentos populares e levar as pessoas de
volta às suas casas, numa falsa aparência de que as coisas no
Brasil estariam se ajeitando.
A inserção de Dilma na TV pra
defender descaradamente o leilão de Libras, afirmando com uma
tremenda cara de pau que aquilo nao se tratava de privatização, e
que os royalties do petróleo seriam os responsáveis por um grande
subsídio para o desenvolvimento da saúde e da educacao, toda essa
conversa fiada do governo, essa manobra eleitoreira, tem data marcada
pra ir por água abaixo.
A palavra de ordem dos cartazes de
Junho pediam saúde e educação no padrão FIFA, ou seja, estava
claro o descontentamento das massas com o descaso nos serviços
públicos, enquanto o governo cedia aos interesses da FIFA, aplicando
vultosíssimas quantias de dinheiro público para erguer estádios
com vocação a elefantes brancos, abdicando assim de qualquer
seriedade no trato da coisa publica, abdicando da soberania nacional
ao passar o projeto da lei geral da Copa, tomando defesa dos
interesses da especulação e das empreiteiras, abrindo espaço para
que milhares de pessoas pobres e carentes tenham suas casas
tratoradas pelas desapropriações e reintegrações de posse.
Mas a Copa do mundo de 2014 nao
passará em brancas nuvens. O descontentamento tende a ser ampliado
com a aproximação dos jogos, porque o povo nao terá paciência de
ver todo esse circo armado enquanto continua com pouquissima
qualidade de vida, enquanto seu suado dinheiro rifado pelos
extorsivos impostos é redirecionado para a farra da burguesia, com
as bênçãos dos picaretas de plantão que parasitam no congresso
nacional, com os politiqueiros que em toda eleição prometem cuidado
e atenção aos mais necessitados para depois virar as costas pra
esse mesmo povo sofrido e conchavar com banqueiros e multinacionais,
latifundiários e empreiteiras que os financiam em suas campanhas, e
por isso mesmo contam com seus serviços e submissão.
A situação é tão critica que não
há outra saída senão as ações diretas, as manifestações de
rua, as ocupações e motins. E o povo tem se dado conta disso. O
povo tem se dado conta de que só é ouvido quando parte pra
radicalização, quando bate de frente com o governo e assume o
enfrentamento. As maquiagens do governo petista e dos politiqueiros
locais tendem a ter curta duração, tendem a se despedaçar frente a
dura realidade, a diluírem diante da materialidade dos fatos. Porque
o povo percebe que os preços aumentam e o salário não, o povo
percebe no caixa do mercado como seu poder de compra é reduzido,
percebe nas filas dos hospitais o quanto a saúde está sucateada,
percebe na escola do filho como o serviço oferecido está abaixo da
demanda e deixa a desejar em qualidade, percebe na superlotação do
transporte público o descaso do poder público por seu bem estar, em
suma, percebe que é adulado em tempos de eleição e vilipendiado
todo o resto de sua vida.
E é tarefa dos movimentos sociais e
da esquerda dar organicidade a todo esse descontentamento, a dirigir
as massas nessa árdua tarefa de por fim ao capital, porque nao
existe vida digna nesse sistema.
O welfarestate nao chegou aqui, e
nao é esse o caso. Mesmo nos países avançados do sistema o bem
estar nao é garantia em tempos de crise. Na Europa o desemprego é
galopante, o arrocho salarial é uma cruel realidade na vida dos
trabalhadores e as medidas de austeridade seguem corroendo direitos
conquistados outrora.
Se o Brasil despertava como uma
potencia mundial, um líder local por seu tamanho e economia
subtancialmente maior que o resto do continente sul-americano,
cumprindo um papel sub-imperialista na região, nada disso garantiu o
seu desenvolvimento. O ciclo é vicioso. Existe o imperialismo norte
americano para nos regular, temos uma burguesia nacional frouxa
frente aos desafios de avanço tecnológico e incremento da produção,
nos fazendo amargar uma subindustrialização e uma economia
majoritariamente dependente da exportação de commodities, o que só
rende capital concentrado nas mãos de uma meia dúzia de
mega-latifundiarios, que além do mais tem o controle do congresso
nacional através da bancada ruralista.
Enquanto isso os pelegos e
centristas cooptam e subornam a esquerda com cargos e benesses, num
sórdido atrelamento ao poder institucional, como é possível notar
com as altas cúpulas da CUT, do MST, entre outros sindicatos e
movimentos de maior envergadura. A direção nao faz jus à base que
tem, pelo contrário, renuncia a luta a ser travada. Sua razão de
ser é a conciliação, pintando de democrático e popular um governo
de frente popular submisso e calhorda.
Fato curioso é ver o PCdoB denegrir
a imagem dos jovens do Black Bloc, dizendo se tratar de um movimento
que tem de ser rechaçado em favor de um suposto estado democrático
de direito. Ora, percebemos nessa argumentação esdrúxula dois
desvios, um teórico e um de caráter. O primeiro é a ilusão de
pensar que deve-se, num processo revolucionário, passar por uma
primeira etapa democrática e antiimperialista, de desenvolvimento
das forças capitalistas de produção nacional, para, aí sim,
aguardar o momento mais oportuno de acirramento da luta de classes
necessário para uma outra etapa de derrubada da burguesia e
implantação do socialismo. Mas nao é o caso do PCdoB, apesar desse
partido martelar a teoria exposta acima. O problema aqui é de
caráter. Para além de uma comodidade política de aguardar o
momento supostamente maduro para a revolução, esse partido, viciado
e degenerado que é, opta deliberadamente pelo oportunismo e pelo
cinismo, tratando os Black Blocs como inimigos de um governo que eles
dizem ser democrático-popular. Ou seja, em troca de cargos no
governo e estatais, todo um aparato que lhes garante uma fatia do
poder, esse partido pinta o governo Dilma como o supra sumo da
democracia popular, o que é uma aberração discursiva, e trata os
Black Blocs como vândalos, bem ao gosto da mídia burguesa e das
elites. Ora, quem são os inimigos aqui, os Black Blocs, jovens
indignados de um sistema perverso e desumano, ou a burguesia nacional
que esfola dia e noite o povo trabalhador?
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