por Roberto Barros
“A história da
nossa psiquiatria é a história de um processo de asilamento, é a
história de um processo de medicalização social” essa sentença
de Amarante ilustra em poucas linhas a real situação que este
domínio de saber se encontra e a constante necessidade de
reformulação do mesmo. A psiquiatria surge, com a chegada da
Família Real ao Brasil, com o objetivo de colocar ordem na
urbanização, disciplinando a sociedade e sendo, dessa forma,
compatível ao desenvolvimento mercantil e as novas políticas do
século XIX. É a partir do embasamento nos conceitos da psiquiatria
européia, como degenerescência moral, organicidade e
hereditariedade do fenômeno mental, que a psiquiatria brasileira
intervém no comportamento considerado como desviante e inadequado às
necessidades do acúmulo de capital, isolando-o e tratando-o no
hospital psiquiátrico. Dessa forma o saber e o poder médicos,
artificialmente, criam uma legitimidade de intervenção da classe
dominante sobre os despossuídos através da nova especialidade - a
psiquiatria - da nova instituição - o Hospital Psiquiátrico. O
objeto dessa intervenção - o sofrimento mental - é reduzido,
através de um artifício conceitual, a categoria de \"doença
mental\", subtraindo-se toda a complexidade de fenômenos
diversos, singulares e compreensíveis no contexto da existência
humana. O Manicômio, dentre outros dispositivos disciplinares
igualmente complexos, atravessou séculos até os nossos dias,
conformando uma sociedade disciplinar com dispositivos disciplinares
complementares num processo de legitimação da exclusão e de
supremacia da razão. É incrível como a sociedade ocidental sempre
procurou apartar e excluir aqueles que se encontram fora dos
“padrões” impostos por um grupo específico de indivíduos que
detém certos poderes. No passado isso se deu, por exemplo, com a
forma como a igreja tratou os leprosos através do período das
Cruzadas e como a mesma em associação com outras instituições
posteriores trataram o louco em períodos subsequentes.
Foucault mostra que
com o fim da lepra, reside nos loucos o estigma de desvio moral
justificando a exclusão destes. Dessa forma, pode-se concluir que as
pessoas acometidas pela loucura representam os excluídos da
sociedade, que necessitam com urgência desaparecer da visibilidade
das pessoas. Assim, hão de carregar sempre com eles este estigma –
a marca da discriminação e exclusão.
De certa forma, o
espectro que é observado atualmente é uma extensão do que ocorreu
durante nossa história. Na Renascença, os loucos eram colocados em
barcos e navios e carregados para cidades longe das suas em busca da
razão. Havia partidas de navios especialmente para levar os loucos.
Quando estes chegavam nas cidades, eram enxotados pelos moradores
(característica da exclusão). No entanto, havia locais destinados a
colocar os loucos, existindo, assim, a possibilidade de que os que
fossem enxotados fossem aqueles provenientes de outras cidades,
enquanto que os que ficavam eram oriundos delas.
Marinheiros
atracavam em lugares comerciais e ali deixavam os loucos. Estes,
quando acolhidos e mantidos pela cidade, eram levados para a prisão.
Esse fato torna-se interessante e até alegórica, pois o fato do
louco ser transportado de um espaço (local) para o outro através da
água remete-se ao que Foucault chama de “prisioneiro da mais
aberta das estradas”, ou seja, cria-se uma ambivalência pois o
lugar onde o insano estava indo não era sua terra, mas a que ficou
para trás também não o era. A terra do louco limita-se à
distância de ambas: a que foi sua e a que nuca será. Assim, a forma
como os poetas Renascentistas simbolizavam essa travessia ilustrava a
aterritorialidade. Literalmente, o insano não tinha chão. Ou tinha
água em volta de si, ou tinha grades. E, desde o século XIX, no
entanto, estes tem os manicômios que funcionam em sua maioria como
prisões, espaços de exclusão legitimado pelos dispositivos dos
saberes que foram apropriados pelas práticas médicas. Percebe-se a
existência dos manicômios por séculos à fio e frente a essa
realidade surgem alguns movimentos que questionam essa ordem das
coisas, procurando romper com a tradição manicomial brasileira,
principalmente com o fim da Segunda Guerra Mundial. Todas essas
experiências são locais, referidas a um ou outro serviço ou grupo
e estão à margem das propostas e dos investimentos públicos
efetivos. Há forte oposição exercida pelo setor privado que se
expande e passa a controlar o aparelho de Estado também no campo da
saúde.
Na década de 60,
com a unificação dos institutos de pensões e de aposentadoria, é
criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). O Estado
passa a comprar serviços psiquiátricos do setor privado e concilia
pressões sociais com o interesse de lucro por parte dos empresários.
Dessa forma, cria-se uma indústria para o enfrentamento da
loucura. Mesmo diante dessa realidade os movimentos questionadores
crescem e têm como principal inspiração a experiência de Trieste,
na Itália, liderada por Franco Basaglia. Basaglia, em 1971, fecha os
manicômios, acabando com a violência dos tratamentos e põe fim no
aparelho da instituição psiquiátrica tradicional. Basaglia
demonstra que é possível a constituição de uma nova forma de
organização da atenção que ofereça e produza cuidados, ao mesmo
tempo que produza novas formas de sociabilidade e de subjetividade
para aqueles que necessitam da assistência psiquiátrica.
Em 13 de maio de
1978 foi instituída a Lei 180, de autoria de Basaglia, e incorporada
à lei italiana da Reforma Sanitária, que não só proíbe a
recuperação dos velhos manicômios e a construção de novos, como
também reorganiza os recursos para a rede de cuidados psiquiátricos,
restitui a cidadania e os direitos sociais aos doentes e garante o
direito ao tratamento psiquiátrico qualificado.
Esse grande passo
dado pela Itália influenciou o Brasil, fazendo ressurgir diversas
discussões que tratavam da desinstitucionalização do portador de
sofrimento mental, da humanização do tratamento a essas pessoas,
com o objetivo de promover a reinserção social. Na década de 70
são registradas várias denúncias quanto à política brasileira de
saúde mental em relação à política privatizante da assistência
psiquiátrica por parte da previdência social, quanto às condições
(públicas e privadas) de atendimento psiquiátrico à população.
No Rio de Janeiro,
em 1978, eclode o movimento dos trabalhadores da Divisão Nacional de
Saúde Mental (DINSAM), que faz denúncias sobre as condições de
quatro hospitais psiquiátricos da DINSAM e coloca em xeque a
política psiquiátrica exercida no país. É nesse contexto, no fim
da década de 70, que surge a questão da reforma psiquiátrica no
Brasil. Pequenos núcleos estaduais, principalmente nos estados de
São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais constituem o Movimento de
Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM). A questão psiquiátrica é
colocada em pauta:... tais
movimentos fazem ver à sociedade como os loucos representam a
radicalidade da opressão e da violência imposta pelo estado
autoritário
A violência das
instituições psiquiátricas, dessa forma, é entendida como parte
de uma violência maior, cometida contra trabalhadores, presos
políticos e, portanto, contra todos os cidadãos. O movimento de
reforma sanitária tem influência constitutiva no movimento de
reforma psiquiátrica. Nos primeiros anos da década de 80 os dois
movimentos se unem, ocupando os espaços públicos de po
der e de tomada de decisão como forma de introduzir mudanças no sistema de saúde.
der e de tomada de decisão como forma de introduzir mudanças no sistema de saúde.
A Proposta da
Reforma Sanitária Brasileira representa, por um lado, a indignação
contra as precárias condições de saúde, o descaso acumulado, a
mercantilização do setor, a incompetência e o atraso e, por outro
lado, a possibilidade da existência de uma viabilidade técnica e
uma possibilidade política de enfrentar o problema.Somente no final
do século XX é que a militância por serviços humanizados consegui
às primeiras implantações de Centros de Atenção Psicossocial os
CAPS .
Foi em 2001 que a
Lei Paulo Delgado foi sancionada no país. A Lei redireciona a
assistência em saúde mental, privilegiando o oferecimento de
tratamento em serviços de base comunitária, dispõe sobre a
proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais, mas não
institui mecanismos claros para a progressiva extinção dos
manicômios.
As condições da
saúde mental no Brasil evoluíram, porém a Luta Antimanicomial não
parou. Ainda acontecem manifestações em todo o país no dia 18 de
maio, para que se mantenha vivo o cuidado com os doentes, e para que
fique claro que eles não devem ser excluídos da sociedade e
maltratados como eram antigamente, mas sim orientados e acompanhados
para que possam encontrar seu lugar no mundo. O dia 18 de maio também
se tornou Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual
de Crianças e Adolescentes.
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